Introdução à Filosofia da Ciência
Um prefácio bem prematuro, seguido de um sumário do livro todo
Para Bento e Clara,
almas profundas,
corações bondosos,
pessoas maravilhosas
Prefácio
Escrevi este livro com base nos cursos de filosofia da ciência que venho lecionando desde 2009, inicialmente na UFSM, depois na UFRGS. Tenho imensa gratidão aos muitos estudantes que tive, sobretudo os primeiros, que foram castigados com as aulas mais improvisadas. Vocês que estavam entre eles e agora leem estas linhas, por favor procurem-me: quando publicado, quero presenteá-los com um exemplar deste livro, que – garanto! – está mais bem acabado do que as aulas que fui capaz de costurar naqueles tempos (para mim) mais heroicos e meio selvagens. Ocorre que estou ficando velho e preciso escrever o que aprendi nesses anos, antes de ficar velho demais e esquecer o valor do que recolhi. Faço isso agora com saudades e com o espírito leve.
Ao escrever este livro introdutório, tive em mente estudantes de graduação em filosofia ou que se interessem pelo tema. Meu objetivo foi incluir todos os temas clássicos de filosofia da ciência, traçando um panorama de como chegamos ao estado em que esta disciplina se encontra hoje: as principais escolas de pensamento sobre o que é ciência, os conceitos e teses mais importantes e recorrentes nos debates sobre a natureza da ciência, por que a ciência é tão relevante em nossa cultura e quais são os desafios que se colocam para o nosso entendimento do funcionamento da ciência, de seus resultados e implicações. Além disso, quis mostrar que a atividade filosófica não apenas reflete sobre a ciência, mas é ela própria constitutiva da teorização científica. As inovações mais fundamentais da ciência costumam ser precedidas por um trabalho filosófico criativo, de elaboração de novos conceitos e novas possibilidades teóricas. Na história da ciência, há muitos exemplos de ideias que foram consideradas impensáveis e mais tarde passaram a ser aceitas de modo amplo. Um exemplo são as teses sobre a natureza curva e com mais de três dimensões, do espaço físico em que vivemos. Teses essas que, hoje, são afirmadas na teoria geral da relatividade e na teoria quântica. Os cientistas não têm como investigar algo que eles próprios consideram impossível. Por isso, para que uma descoberta ou inovação teórica possa acontecer, há sempre um trabalho filosófico prévio de abertura de novas possibilidades. Para se descobrir uma realidade, é necessário antes imaginar sua possibilidade. Esse é um trabalho criativo e filosófico, não de esclarecimento ou análise do que já foi feito nem de observação do mundo empírico, mas de produção de conceitos e hipóteses antes inexistentes. A filosofia atua, assim, nas duas pontas da ciência: na geração de suas possibilidades iniciais e na reflexão e esclarecimento do significado do que já foi feito. Como o processo científico está sempre sendo refeito, uma vez que novas hipóteses estão sempre sendo gestadas e as mais antigas sempre sendo reavaliadas, a filosofia está sempre presente e é inseparável da ciência. As relações entre ambas são tão umbilicais que talvez nem seja muito proveitoso tratá-las como disciplinas independentes (assunto que discuto no capítulo final, sobre o chamado naturalismo em filosofia).
Alguns livros foram muito influentes em minha formação e eu os cito com frequência ao longo dos capítulos. Três deles sobressaem-se e gostaria de destacá-los aqui: A filosofia da ciência natural, de Carl Hempel, A estrutura das revoluções científicas, de Thomas Kuhn, e Theory and reality, de Peter Godfrey-Smith. O primeiro deles foi durante algumas décadas usado como manual de introdução à filosofia da ciência em departamentos de filosofia norte-americanos e europeus. É um clássico que pode ser lido com muito proveito ainda hoje. Ele resume uma parte do pensamento desse grande pensador, Carl Hempel, cuja obra mais importante foi Aspects of scientific explanation. O livro de Kuhn, o segundo dessa listinha, é a obra de filosofia da ciência mais citada de todos os tempos e constitui leitura obrigatória para os iniciantes no assunto. Sua influência estende-se para muito além das fronteiras da filosofia da ciência, sendo frequentemente mencionado em trabalhos de áreas tão diversas quanto a economia, a teoria literária, o direito e a pedagogia. O terceiro livro, de Peter Godfrey-Smith, é um dos melhores livros de introdução à filosofia da ciência que conheço. Por ter sido escrito mais recentemente, está mais atualizado que o de Hempel e o de Kuhn, além de ser mais abrangente. Muitos outros livros foram por mim usados e citados ao longo dos capítulos. Entre os autores brasileiros, vale a pena destacar duas obras de Paulo Abrantes: Método e ciência e Imagens da natureza, imagens da ciência. Sou muito grato a esses autores e a todos os outros citados nas páginas seguintes pelo muito que me ensinaram e continuam ensinando.
Gostaria de agradecer também aos meus orientandos que nos últimos anos escreveram trabalhos em áreas ligadas à filosofia da ciência e com os quais tive interações intelectuais das mais proveitosas: Gilson Olegario da Silva, Tamires Dal Magro, Marcelo Fischborn, Laura Machado do Nascimento, Jonatan Daniel, Bruno Angeli Faez, Alexandre Müller Fonseca, Róbson Rodrigues Carvalho, Karine Rossi Pereira, Pablo Rolim, Guilherme Gräf Schüler, Santiago Alves Castro, Bruno Guedes Santiago e Eduarda Nova Cruz. Ainda mais grato sou aos que inicialmente me ensinaram filosofia da ciência, quando eu era estudante, Paulo Faria, Ana Carolina Regner, Bill Hart, Nick Huggett, Jon Jarrett e Peter Hylton. Mas para escrever um livro não basta ter ideias, é preciso também criar uma disposição mental e espiritual adequada, e no que diz respeito a este livro poucas pessoas me ajudaram tanto quanto Mariana Vasconcellos, à qual agradeço de coração. Sou muitíssimo grato também a Flavio Williges, Raphael Zillig, José Carlos Severo e várias outras pessoas que leram as primeiras versões destas páginas e me ajudaram com seus comentários, sugestões e críticas.
Sumário
Prefácio
IntroduçãoParte I. Conceitos básicos
1. A revolução científica
1.1 Grandes expectativas
1.2 O problema dos planetas
1.3 Newton
1.4 A descoberta da ignorância
Leituras adicionais2. Indução e confirmação
2.1 A mãe de todos os problemas
2.2 Os paradoxos da confirmação
2.3 O novo enigma da indução
Leituras adicionais3. Holismo e experimentos cruciais
3.1 Testes experimentais como critérios de escolha
3.2 O experimento de Foucault
3.3 Holismo confirmacional
Leituras adicionais4. Inferências à melhor explicação
4.1 Tipos de indução
4.2 Por que as inferências à melhor explicação são importantes? (generalidades aleatórias e generalidades nomológicas)
4.3 As críticas de Van Fraassen, alternativas (bayesianismo, empirismo construtivo)
Leituras adicionais5. Impregnação teórica das observações
5.1 Concepções de percepção
5.2 Alguns experimentos
5.3 A impregnação teórica dos relatos de observação
5.4 A penetrabilidade doxástica da percepção
Leituras adicionaisParte II. Concepções de ciência
6. Positivismo lógico
6.1 A concepção científica do mundo
6.2 O princípio da verificabilidade
6.3 Verificação e confirmação
6.4 Em busca de uma lógica da indução
6.5 Revoluções científicas e estruturas linguísticas
Leituras adicionais7. Popper
7.1 Ideal científico
7.2 O problema da demarcação
7.3 Conjeturas e refutações
7.4 Problemas para o falseacionismo
7.5 O novo problema da demarcação
Leituras adicionais8. Kuhn
8.1 Historicismo
8.2 Paradigmas
8.3 Ciência normal e resolução de quebra-cabeças
8.4 Anomalias e crise
8.5 Revoluções
8.6 Incomensurabilidade e progresso científico
8.7 Kuhn tardio, realismo e pluralidade de mundos
Leituras adicionais9. Lakatos, Laudan, Feyerabend
9.1 Programas de pesquisa
9.2 Tradições de pesquisa
9.3 Anarquismo metodológico
9.4 Escolhas científicas em duas camadas
Leituras adicionais10. Sociologia da ciência e outras críticas
10.1 Robert Merton e o programa “velho” em sociologia da ciência
10.2 O programa forte em sociologia da ciência
10.3. Críticas feministas à filosofia da ciência
10.4 Problemas de reprodutibilidade e o embuste de Sokal
Leituras adicionais11. Bayesianismo
11.1 Indícios probabilísticos
11.2 Expectativas subjetivas
11.3 Realismo
Leituras adicionais12. Perspectivismo
12.1 Pluralidade de modelos
12.2 Perspectivismo epistêmico e metafísico
12.3. Giere e Massimi
Leituras adicionaisParte III. Teorias e realidade
13. Explicações e leis
13.1 Explicar é deduzir de uma lei
13.2 Explicações causais
13. Unificação
Leituras adicionais14. Teorias e modelos
14.1 Sintaxe e semântica
14.2 Tipos de modelos
14.3 Concepções sobre os modelos (representações, metáforas, plantas inferenciais)
Leituras adicionais15. Realismo e antirrealismo
15.1 Princípios e entidades não observáveis
15.2 O argumento do milagre
15.3 Subdeterminação e indução pessimista
15.4 Verdade, adequação empírica e progresso
Leituras adicionais16. Naturalismo
16.1 Vivendo com os próprios recursos
16.2 Começando de onde estamos
16.3 Não há um ponto de vista distintivamente filosófico (ou científico!)
16.4 O desafio heideggeriano
16.5 Naturalismo, ciência e religião
Leituras adicionaisReferências
Foi bom ler este prefácio. Vou ficar na espera da minha cópia!